A necessidade de participação urgente da sociedade civil, dos povos originários e das comunidades tradicionais nas discussões de políticas ambientais foi um dos destaques do encontro “Os nexos entre a Cúpula dos Sistemas Alimentares e as Conferências de Biodiversidade e Mudanças Climáticas da ONU”, promovido pela Conferência Popular por Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e pela FASE. O evento discutiu o protagonismo das grandes corporações na agenda ambiental e os impactos na segurança alimentar. A participação da sociedade é vista como uma forma de fazer um contraponto à atuação das grandes corporações, que propõem falsas soluções para o sistema industrial de alimentos.
“Até o momento, nós estamos vendo uma audiência ativa, participante dos conselhos locais de segurança alimentar e nutricional evidenciando uma situação cada vez mais endereçada a esse debate internacional. Isso nos mostra que as discussões não são um espaço apenas para especialistas, isso envolve um debate que está no nosso cotidiano, que é a grande riqueza do momento”, diz André Luzzi, da Conferência Popular por Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
Para Maureen Santos, coordenadora do grupo nacional de aconselhamento da FASE, é importante aproveitar o período de transição de governo para já estabelecer contato com as equipes do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. “Nós tivemos uma perda de espaço de incidência no Itamaraty ao longo do governo Bolsonaro, mas esperamos reconstruir nos próximos anos. Essa transição também é importante por isso”.
Maria Emília Pacheco Lisboa, assessora da FASE e integrante do Fórum Brasileiro de Soberania Alimentar e Nutricional da Conferência Popular de SSAN, chama atenção para a preocupação de o debate da transição ser muito segmentado. “É importante fazer a construção dos nexos para entender a centralidade das crises, que são múltiplas, mas há uma centralidade”.
Por isso, além de conseguir dialogar com o governo eleito, também é necessário tratar o assunto de forma transversal. “O debate não é sobre escassez de alimentos, não podemos ficar apenas no nicho do desenvolvimento agrário ou na discussão dentro da segurança alimentar. É preciso avançar na discussão ambiental, na transição em relação às relações exteriores e em outros tópicos que vão jogar luz sobre a discussão de governança em vários pontos. Então, eu vejo que esse é um momento muito crucial para espalharmos esse debate para outras esferas”, acrescenta Maureen.
Discutir o contexto deixaria mais evidente o significado do controle corporativo e financeiro sobre o sistema alimentar como a causa das crises. A advogada socioambiental Larissa Packer vê o atual momento como favorável. “Atualmente, as cinco principais economias da América Latina têm governos progressistas. Há uma oportunidade. É possível reunirmos propostas históricas para nos reposicionar como alternativa e posicionar o controle corporativo e financeiro e as políticas que são endereçadas a elas como as causas das crises. Estamos vivendo uma crise de legitimidade do neoliberalismo como opção para gestão de crises e a população está falando que quer a presença do estado e que está morrendo de fome”.
Miriam Nobre, da Ong SOF/Marcha Mundial das Mulheres, defende, além de mais estado, mais comunidade. “Nós tivemos uma discussão que aconteceu no âmbito da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) para falar sobre o escalonamento da agroecologia, mas essa ideia de escala não considera a agroecologia que acontece em muitas áreas, nos quintais das mulheres que criam, em grupo, um ambiente biodiverso, de agroecologia, agroflorestal”.
Além da maior troca entre a sociedade e os governos, Larissa defende avanços mais concretos. “É preciso ter limites com os contratos de compra e venda relacionados a alimentos, tributar transações financeiras, lucros e dividendos do setor financeiro, aplicar a legislação antitruste, principalmente em setores básicos, favorecer os estoques públicos de alimentos e favorecer o controle público de preços”.
O webinário também gerou um documento político publicado por Conferência e Fase, “Os nexos entre a Cúpula dos Sistemas Alimentares e as Conferências de Biodiversidade e Mudanças Climáticas da ONU”, que traz elementos mais amplos sobre a agenda dessas plataformas, bem como um balanço sobre suas relações e uma análise dos temas mais sensíveis em discussão e as principais ausências. Esse documento sintetiza as principais discussões ocorridas durante o evento e pretende contribuir na democratização de temas internacionais que envolvem sistemas alimentares.
Acesse o documento aqui: Os nexos entre a Cúpula dos Sistemas Alimentares e as Conferências de Biodiversidade e Mudanças Climáticas das Nações Unidas
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O evento completo está disponível no canal do YouTube da Conferência Popular para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.